Texto por Leandro Pereira (O Bola).

 

 

– É pai e filho? – indagou o repórter.
– Sim, é meu filho – respondeu Hommer.
– Topam dar uma entrevista?


Obviamente respondemos que sim. Era 17 de Abril de 1999. Porta do autódromo de Interlagos. Lembro como se fosse ontem.


– O que o Kiss representa para você? – foi a pergunta do jornalista.
– Ah, é  melhor banda do mundo né – respondia o pré-adolescente com sotaque do interior e a voz desajeitosamente grossa pela puberdade.
– E para o senhor – voltou-se para o meu pai.
– Faço dele as minhas palavras – respondeu alto e claramente, cheio de pompa e eloqüência como nunca antes ouvi.
Que maravilha, agora era só esperarmos para ver quando ia passar.
– Hoje a noite no Jornal da Band – respondeu o entrevistador.


Puta merda. Era de tarde. Estava muito em cima da hora. Como íamos fazer para gravar essa porra? Estamos falando dos anos 90. Estávamos eu, meu querido pai, meu primo 4 anos mais velho e 3 amigos dele. NENHUM de nós tinha celular.


Problemas de um longínquo, e esquecido mundo analógico. Como tentamos resolver? Infernizando um coitado que estava na fila e talvez em um raio de quase 1 quilômetro deveria ser o único portando um celular, daqueles “tijolão” mesmo. Ligamos para minha mãe, nada. Ligamos para minha tia, nada. Nenhuma resposta sequer. Resultado: até hoje não sabemos se aquilo foi para o ar ou não. Nunca conheci alguém que assistiu. De vez em quando ainda confiro no Youtube. Nem sinal.


Outro problema analógico que enfrentamos? Não era permitida entrada de câmeras. O Show apresentava tecnologia 3D, eram distribuídos óculos para cada um. Um verdadeiro espetáculo, como sempre foi e ainda é um show do Kiss. A banda vinha pela primeira (e mais pra frente, saberíamos, ÚNICA) vez no Brasil com sua formação original. Os 4 maquiados, não dava para não ter nenhum registro disso! Um amigo de meu primo tinha a solução. Uma MICRO câmera que ele havia arrumado sei lá como. Era minúscula e tínhamos a idéia de entrar com ela escondida em algum lugar. Onde não revistariam? Na cueca? Não me cheirava como uma idéia boa. A solução? Meu primo que calçava 44 trocou de tênis com seu amigo baixinho que devia calçar uns 36. A câmera ficou no tênis folgado de seu amigo, enquanto ele fazia contorcionismo para usar o tênis quase 10 números abaixo. Deu certo!! Sucesso! Entramos.


O palco era maravilhoso, com bandeiras do Kiss Army, seriam registros históricos para posteridade. Seriam. Não foram. Devemos lembrar que a câmera era analógica. De filme. 12 ou 24 poses. Não lembro exatamente. Quando foi ser revelado dias depois, constatamos que TODAS as fotos do show em si, haviam queimado o filme. TODAS. 


Até hoje só temos registros do palco montado, da gente no ônibus da excursão, da gente na porta, na fila, etc.


Isso foi a mais de 20 anos atrás. Eu tinha 12 para 13 anos e me lembro de mil detalhes. O show foi como um sonho, os integrantes jogavam palhetas, e parecia que você ia as alcançar, Gene Simmons parecia lamber a sua cara, fogos, explosões, sangue, luzes, bateria levitando. Enfim, quem já foi a um show do Kiss sabe do que estou falando. Mas o engraçado é que os detalhes que conto, os perrengues, as trapalhadas; essas coisas me marcaram até mais. Lembro como se fosse ontem do frio de rachar que fez. Principalmente a noite, pós-show, comendo um “dogão” na rua. Lembro da eternidade que parecia demorar para chegar á Interlagos, o cheiro de maconha intenso (provavelmente a primeira vez que senti os efeitos do alucinógeno só de tragar o ar), a minha empolgação em ouvir pela primeira vez a rádio rock (89 FM) fazendo um “esquenta” para o show. Pensei em como era um sonho ter um rádio que só tocava rock.


Enfim, são detalhes que jamais saíram da minha lembrança. E jamais sairão. Sempre lembro também de meu primo. Assim como meu pai, mas em menor escala, influenciou muito meu gosto musical, trocávamos CDs emprestados, era muito parceiro de rock. Infelizmente com o tempo fomos nos afastando, coisas da vida. Eu não sei se meu primo viu algum outro show do Kiss em sua breve trajetória. Ele nos deixou em 2012, mesmo ano em que eu vi meu segundo show da banda. Não deu pra conter as lágrimas quando tocaram a música Psycho Circus. Música que dá título ao álbum de 1998, no qual vimos a turnê no ano seguinte. Meu primo foi muito importante para mim. Ainda lembro dele constantemente.


O mundo hoje está de cabeça para baixo, essa maldita pandemia, a incerteza, os cancelamentos e adiamentos, tudo uma merda! O Kiss anunciou sua turnê final. Parece que agora é o fim da estrada de vez! “The end of the Road tour" era para passar pelo Brasil em Maio de 2020. Obviamente não rolou. Mas ainda há de rolar. Faço um apelo aos leitores, se você gosta do Kiss, nem que seja um pouco, não perca essa oportunidade quando rolar. Não é por eu ser muito fã, nem nada. O show deles não tem o apelido de “maio espetáculo da terra” á toa. Confiem no tio aqui. Como diz um amigo meu, “não há nada que se compare a experiência de um show ao vivo”. E o Kiss entrega, como entrega. Também peço para que não deixem de aproveitar momentos como esses com pessoas que vocês amam, gostam e são importantes para vocês. A vida pode ser breve e cruel demais. Meu primo se foi aos 30 anos de idade. Hoje tenho 34. Fui há vários shows, mas nada, nada se compara aos primeiros. E a morte pode levar a pessoa, o corpo físico. Mas jamais, JAMAIS levará as boas lembranças.