Texto por Daniel Ribeiro.

 

 

Em uma data tão emblemática como os 80 anos do Lennon, me peguei refletindo sobre seu verdadeiro legado dentro da música, como um de seus maiores compositores e poetas. Sua contribuição foi enorme, bem como seu comportamento e seus sentimentos falaram com gerações de jovens, do mundo inteiro, que buscavam ser compreendidos por outros e por si mesmos.

 

John Winston Lennon nasceu em 09 de Outubro de 1940, numa família de trabalhadores de Liverpool. O começo da sua vida não foi fácil, seu pai abandonou a família e foi trabalhar em um navio, deixando o pequeno John com sua mãe, que morreu quando ele era adolescente, atropelada. Essa falta de referência familiar (exceto pela famosa tia Mimi), tornou-o um adolescente rebelde, cheio de raiva e rancor. 

 

Eventualmente, John canalizaria toda essa mágoa e transformaria numa paixão pela arte e posteriormente pela música.

 

Como era comum entre os adolescentes da sua geração, Lennon se encontrou no Rock americano e no R&B, principalmente pela rebeldia e energia desses estilos musicais. Foi uma conexão magnética. Dela, veio a amizade com Paul McCartney e George Harrison, onde formaram uma banda de covers de seus artistas favoritos: Elvis, Chuck Berry, Carl Perkins, etc. E enquanto as vidas desses garotos estavam completamente perdidas e confusas, o foco na sua banda e na música era o que os mantinha juntos e determinados, dando a eles e ao grupo uma razão de ser e de existir.

 

A banda – primeiro os Quarrymen, depois Silver Beetles e depois The Beatles – moldou o som dos anos 1960 e mudou o mundo dali pra frente. De garotos pobres vivendo numa cidade portuária da Inglaterra para as maiores personalidades da sua geração.

 

O diferencial do John Lennon, no meio disso tudo, era sua capacidade de ser o porta-voz desses jovens. Enquanto crescia, o resto do mundo amadurecia junto com ele. O começo da carreira dos Beatles foi regado por grandes hits de rock e ótimas baladas de amor, e o espírito e carisma dessas músicas, por si só, já cativou o público naquele momento. Eu penso que, se os Beatles tivessem parado ali, seriam uma grande banda com um legado como Stones, Dave Clark 5 ou Herman Hermits. Porém, foi o momento intermediário da carreira da banda que mostrou todo seu potencial e genialidade. Quando o mundo ouviu, pela primeira vez, In My Life (minha música favorita da banda), lançada em 1965 no Rubber Soul, percebeu a genialidade e sensibilidade do Lennon:

 

There are places I remember all my life, though some have changed.
Some forever, not for better. And some have gone, and some remain.
All these places have their moments with lovers and friends I still can’t recall.
Some are dead and some are living. In my life I love them all.

 

55 anos depois ela continua linda e contemporânea.

 

Lennon amadureceu como artista, mergulhando nas razões de ser e de existir nesse mundo. Músicas mais enérgicas como She Said She Said do Revolver, 1966, e sua icônica passagem “I know what it’s like to be dead, I know what it’s like to be sad” ou o submundo demonstrado em Tomorrow Never Knows:

 


Turn off your mind, relax and float downstream – It is not dying, it is not dying
Lay down all thoughts, surrender to the void – It is shining, it is shining
Yet you may see the meaning of within – It is being, it is being

 

Love is all and love is everyone – It is knowing, it is knowing

 

And ignorance and hate mourn the dead – It is believing, it is believing
But listen to the colour of your dreams – It is not leaving, it is not leaving
So play the game “Existence” to the end – Of the beginning, of the beginning

 

Se a carreira do Lennon terminasse ali, mesmo assim já seria o grande poeta da sua geração, até porque em 1966, após o lançamento do Revolver os críticos diziam que os Beatles estariam fadados ao fim, pois não haveria nada mais com que eles pudessem contribuir. Errados, muito errados. John virou seus sentimentos ao avesso, de introspectivo para reflexo da sociedade naquele momento, e daí veio o Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band em 1967, álbum de temática psicodélica que, figurativa e literalmente, deu um choque e energizou o mundo inteiro.

 

Magical Mistery Tour, também em 1967, foi um passeio maravilhoso na visão “bizarra” de mundo do John, que nesse ano – com uma pequena ajuda do Paul – nos deu Lucy in the Sky with Diamonds, Strawberry Fields Forever e a icônica A Day in the Life. Cada qual uma obra de arte. E quando o mundo começava a achar que os Beatles eram um grupo de jovens hippies narcisistas e drogados, ele me vem com All You Need is Love, um hino do amor e do perdão. Mas, para não perder aquela aura de rebelde, Lennon nos apresenta Revolution, em 1968, pedindo e desafiando o mundo para mostrar pra ele o que realmente são capazes de fazer. E finalmente, uma das suas últimas grandes contribuições pra banda foi I Want you/She’s so Heavy, uma música seminal, apaixonante. Seu final abrupto faz um paralelo com o fim das relações, rápido, inesperado, brilhante.

 

Pra mim, pessoalmente, o adeus do Lennon aos Beatles se dá com Across the Universe, no álbum Let it Be, de 1970. Apesar de ter sido composta originalmente para o The Beatles (1968), ela sempre soou pra mim como um adeus do John a todos aqueles anos juntos, bem como The Long and Winding Road soa como o adeus do Paul.

 

Me lembro de ler uma entrevista da Mama Cassidy, provavelmente nos anos 1960 antes de sua morte, onde ela dizia que – apesar de terem a mesma idade – John sempre pareceu mais velho e mais maduro que todos os outros músicos de sua geração. Ele era o cara que chegava no ambiente e naturalmente tomava o controle daquele local. Posteriormente me recordo do Elton John – grande amigo do John – falar o mesmo.

 

O que foi feito pelo artista após sua saída dos Beatles, foi um retrato ainda mais fiel de todo seu espírito, frustrações e sentimentos, em grandes clássicos como God, Love, Imagine, Beaultiful Boy, Woman, entre dezenas de outras músicas, mas aqui, nessa pequena homenagem, me prendo aos primeiros anos da encurtada carreira do John, que pra mim são a gênese de um ser humano perdido, que buscava se encontrar na sua arte, com muitas falhas, muitas qualidades, e que falou como poucos o que o jovem do pós-guerra queria expressar e não sabia como fazer, pois aquilo tudo, aquela arte, o rock n’roll, eram o refugio que todos buscavam naquele momento de descobertas.

 

John Lennon fez, na música durante os anos 1960, algo que inspirou John Hughes ou Spielberg a fazerem no cinema nos anos 1980: dar uma voz e protagonismo ao jovem, não só como mercado consumidor, mas como voz dominante, externando sua vida, angústias, conquistas e sentimentos.

 

Reality leaves a lot to the imagination.
John Lennon